terça-feira, junho 27, 2006

analgésicos ou Drummond?

Hoje me deu vontade de pintar um céu de verde, uma parede de preto, vontade cortar os cabelos, punir os opressores da minha solidão em tédio ao mundo.
Vontade estranha de ficar parada na frente do órgão publico mais próximo até que alguém me perguntasse alguma coisa.
Hoje eu não li, hoje eu não consegui pensar em ninguém, nem mesmo nele, sequer pensei em mim.
Sangrando o grande mal do gênero feminino.
Úteros, ovários, trompas, por que vocês existem?
Ah!
Cansada do que é simples, do que é obvio, do que é certo, do que é impossível.
Cansada de ver a vida passando, e cansada de só conseguir pensar em clichês azuis como os olhos que fascinam nas quartas feiras.
Só mais uma vida, só mais uma contradição.
Uma paixão estranha que não sabe ser e nem ficar, e ela vai embora, que as flores estejam na estrada e tenha um blues soando no ar, eu não vou impedir, vá!
Esvaziando-me pra ver o que vai ficar...
Talvez saudade, talvez um sorriso, ausência de lamentos já me bastaria.
Poesia é matéria de lembrança, nunca vale enquanto o que se escreve ainda faz presente.
Não deve doer tanto ser um museu...
Não deve doer tanto vê-la ir...
E se doer agente compra um analgésico ou um livro do Drummond.
Ah!
Alguma coisa deve amenizar...

por Amanda...

segunda-feira, junho 26, 2006

depois das seis...

Para poder morrer
Guardo insultos e agulhas
Entre as sedas do luto.
para poder morrer
desarmo as armadilhas
me estendo entre as paredes derruídas.
para poder morrer
visto as cambraias
e apascento os olhos para novas vidas.
para poder morrer
apetecida me cubro de promessas da memória.
porque assim é preciso para que tu vivas.

H. Hilst

sexta-feira, junho 23, 2006

Dez lamúrias por gole

Isto é só um copo eu não bebi demais
Achei que era diferente e são todas iguais
Escrevi canções sobre ela mil noites sem fim
Deixou-me neste bar a cantá-las pra mim
Doce uuu uuuuuu uuuuu
Eu bebo da garrafa tomo o gin de manhã
Se o Príncipe era um sapo
ela devia ser rã
Eu amo quem eu sei que não me vai amar
Mas só assim me dá vontade de cantar
Doce uuu uuuuuu uuuuu
A dor existe e não dá pra esquecer
O peito insiste e não a deixa morrer
E eu não vou deixar-me beber como gin
E para estar sóbrio não basta só pensar em mim
Oh não
Deus não era isto que eu queria ser
O que me deixa mal
o que me faz viver
Sinto a roupa fria e o corpo dorido
Sinto o cheiro a vinho mesmo sem ter bebido
Nada Uuu uuuuuu uuuuu
Isto é só um copo a boca já me arde
Um homem varre o chão e diz que já é tarde
Senhor só bonne voyage é hora de fechar
E a Lua é mulher que hoje vou abraçar
Doce uuu uuuuuu uuuuu
A dor existe e não dá pra esquecer
O peito insiste e não a deixa morrer
E eu não vou deixar-me beber como gin
E para estar sóbrio não basta só pensar em mim
E eu não vou deixar-me beber como gin

(ortanis violeta)

quarta-feira, junho 21, 2006

Foda-se o que sei e o que eu te ensinei =[

O Gênio Incompreendido




eu sou só mais um gênio
perdido entre os livros da biblioteca pública
que você gosta de ter ao lado
pra se sentir madura
pra se sentir segura
da confusão

eu sou só mais um homem culto e divertido
que você sempre vai levar pros bares pra impressionar amigos
pra se sentir madura
eu sou somente a armadura
na escuridão

pena que nada disso importa
porque eu quero ser o homem que você deseja
quando toma banho
ou quando se masturba
eu quero ser o corpo que você almeja
quando está com fome
ou quando está insone
foda-se o que eu sei
e o que eu te ensinei




eu sou só mais um
por que você vem me chamar?


(Violins)

terça-feira, junho 13, 2006

Nunca mais a cidade, nunca mais você

Sempre que surgia com suas cores e suas vidas enlaçadas - fazendo miséria no intervalo do ser e o esquecer-; a paixão ia tomando a paisagem disfarçada de perfeição.
A menina baixou a guarda, engoliu seu último pedido de clemência para a noite que só fez travestir de luz um olhar - que hoje eu sei - era somente escuridão.
Deixou de ser petulante, perdeu sua arrogância enquanto aquele ser costurava suas iniciais no seu peito aberto; escancarado pra toda aquela sensação de dor tão pungente que trazia seu fim em si mesma; por simplesmente fazê-la sorrir...
E foram tantos os sorrisos, palavras e saliva que ela pensou acumular na alma dele por trazer vigor em estar...
Era uma cidade imensa, tão grande que cabia dentro dela, pobre menina que carregou dentro de si uma cidade engrandecida (com luzes, ratos e cantores de blues taciturnos) por pensar que estaria carregando ele também (como uma raposa que adota cães alimentando com seu leite e sangue tudo que neles faltar); ele e toda aquela agonia quase irritante que sentia ao vê-lo rir da sua falta de paciência com tudo que respirava sem o mínimo de graça perto dela.
No entanto, ele - o menino da língua grande que roubava as estrelas do céu da boca dela, o menino dos olhos (negros) dela - não vivia na cidade que ela engoliu; ele não tinha tempo, não tinha vocação (a maldade nata do sexo masculino quando pensa se unificar com outro exemplar dessa espécie menor), ele não queria e nem podia ficar na cidade engolida pela menina...
Sina? Contradição dos deuses? Ingratidão dos ventos que só nos tocam e se vão? Ou dos que traziam as folhas do lado de lá?
Eu não sei! Eu nunca sei...
Mas não valeu mesmo o desenrolar dos cabelos, não adiantou nem mesmo o desenho e a poesia em linhas tortas, não se fez válida sequer a sinceridade -matéria prima- de cada gesto novo da menina.
Agora correndo entre as mais novas formas de vida, entre os mais caros sorrisos perfeitos, entre as imagens mais superficialmente belas; a menina enfia um resto de estrela garganta a baixo forçando um vômito dolorido, mas é inútil, esse corpo estranho que é a cidade já se perdeu dentro dela, assim como perdidas ficaram todas aquelas chances e olhares que complementaram o outro num vão que parecia terno.
Tudo precisa ser vomitado, mesmo que se perca a bile, mesmo que se perca a si mesmo num gesto bruto de quem descobriu que nunca nada no mundo foi feito pensando em você.

Por Amanda Cristina Carvalho em algum dia de junho de 2006.

A uma passante

A rua ensurdecedora urrava ao meu redor
Alta e esbelta, toda de luto, majestosa na dor,
Uma mulher passou, a mão vaidosa
Erguendo, balançando a bainha e o festão.

Ágil e nobre, com pernas de estátua.
Eu, crispado como um extravagante, bebia
No seu olho, lívido céu que gera o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que mata.

Um clarão... e a noite depois! - Fugidia beleza,
De olhar que me fez renascer,
Será que só te verei de novo na eternidade?

Tão longe daqui! Tão tarde! Talvez nunca!
Pois ignoro para onde vais e não sabes para onde vou.
Ó tu que eu teria amado, ó tu que sabias disso.

(Charles Baudelaire)

sexta-feira, junho 09, 2006

AVANTESMAS...

Destruição

Os amantes se amam cruelmente
e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

(Carlos Drummond de Andrade)