A impressão dilatada e vazia do amor que se faz de morto é
muito peculiar como os sonhos que nos esquecemos de sonhar.
É como quando não se ouve um conselho de mãe e mais do que
molhado, se volta rasgado e sem partes das unhas e da alma pra casa.
Quando que a lança torta do amor afeta nossa consciência e
enferruja o sorriso da nossa ternura?
Por que nossos corpos se perdem entre mãos que não são as
que conhecemos?
Gostamos mesmo dessas noites ou apenas procuramos engolir
com vinho o que não suportamos durante o dia?
Das vontades, dos medos, dos nós na garganta todos temos que
suportar fingindo ser fortes... Porém, até onde vai o que de leviano nos separa
do amor?
E a quem cabia mesmo o amor? Ele vai pra onde quando nossas
línguas destilam venenos novos?
Não tenho vocação pra vítima, tampouco, para um falso
moralismo, somos livres até quando estamos presos, a eternidade não é culpa, é
bônus pra quem é sincero... Mas, se eu te encontrasse na rua, eu apenas queria
te perguntar de quantas mentiras era feito aquele seu tal “amor”. De quais
cores você se lembra quando pensa em mim... E qual foi o gosto da boca que não
era a minha.
Não me preocupo mais em entender seus temores, seu repúdio
ao sonhar, sua paranoia em ver cenas que não estavam no filme... E qual seria o
gênero do nosso filme? Qual tipo de novela poderíamos criar com as palavras que
você não disse por mera maldade quando eu precisava ouvir?
Qual tom de cinza dos seus olhos se apresentou pra ela?
Ela sabia dançar ao som do seu silêncio com tanta graça
quanto eu dancei? Que sabor teve sua saliva ao vê-la partir com outro? Ainda
mais um outro tão conhecido.
Talvez, eu tenha todas essas respostas, quem sabe virar
passado me dê uma moldura bem bonita na parede da sua memória.
Mas, não tem nada de bonito, de moldura, de dança... Não tem
nada não. Somos dois delituosos, a diferença é que você é sádico e eu sou só
indulgência.
Não sustentarei mais uma saudade que não me ampara. E me dá
aflição só de imaginar o som fúnebre da sua voz contando mentiras doces,
blasfemando aquele sentimento lá... Aquele que agora eu nem sei se existe ou
pra quê tipo de ilusão serve: o amor (piada com meu nome nas mesas dos bares
que você frequenta).
Então está selado o nosso fim, logo nós, e nem tivemos a
chance de tomar uma cerveja pra velar aquilo que um dia eu chamei de amor.
Todas as palavras “amor” deste relato poderiam ser
substituídas por chocolate, insônia, abraços demorados, canções, semi-sorrisos,
volúpia, lágrimas, saudade, renúncias, sorrisos cabais, vodca, madrugadas
inteiras de beijos, danças, insistência, euforia e tudo que ilude e faz pensar
que é amor. Mas, da sua parte nunca foi amor.
Eu estou olhando para o
nada e buscando sensação correspondente pra essa situação, não sei dos
seus erros qual deles me expõe mais idiota diante os olhos do mundo.
Mas, não é o mundo que me preocupa, é o meu mundo que eu
construí baseado nas suas palavras falsas, na sua inconstância, na sua
violência e desejo que me deixa tão perplexa e confusa assim.
Agora é tarde. Sempre foi tarde?
Com quais versos eu canto a poeira que ainda está nos meus
olhos de tudo isso que não ficou?
Se eu não moro mais no seu pensamento eu tenho que encontrar
um lugar mais limpo pra habitar minha literatura barata, mas visceral e
sincera, diferente dos seus acordes que não passavam de alegorias pra encantar
garotas ébrias.
Suas balas eram de festim, as minhas de poesia: ferem só as
costas de quem mente. E a gente mente, mente pra sobreviver, pra não destruir,
pra desarmar, pra prender nos braços o que já teve asas. A gente mente pra
passar a noite em paz, mente até que ama, acredita quem pode, fica quem quer.
E eu não fiquei, porque no fundo a beleza desse seu “amor”
era tão frágil como uma mentira bem contada.
Sabia sim, dos riscos que corria ao partir, de perder minha
mentira preferida, perder a falácia que me fazia sorrir, logo eu que não sou de
sorrir, logo eu que não sou de acreditar.
Arrepender-me?
Pra quê?
Mostre-me um relógio que faça o tempo voltar que talvez
arrependimento faça sentido, me mostre uma foto antiga de um beijo de amor
(meu, não seu) que eu grito para o vento que não sei me arrepender e que não
faz mais sentido nem me lamentar.