quarta-feira, outubro 24, 2007

dia chuvoso.


"Se não entendo tudo, devo ficar contente com o que entendo. E entendo que vejo estas árvores e que tenho direito a minha língua e que posso olhar nos olhos dos estranhos e dizer: não me desculpe por não gostar do que você gosta; não me olhe de cima para baixo; não me envergonhe de minha fala; não diga que minha fala é melhor do que a sua; não diga que eu sou bonito, porque sua mulher nunca ia ter casado comigo; não seja bom comigo, não me faça favor; seja homem, filho da puta, e reconheça que não deve comer o que eu não como, em vez de me falar concordâncias e me passar a mão pela cabeça; assim poderei matar você melhor, como você me mata há tantos anos."

João Ubaldo Ribeiro.

terça-feira, outubro 16, 2007

ALTA ROTATIVIDADE NO CEMITÉRIO DE AMORES


Agora renova o gloss-urucum no espelho das ruas.
Pensa nos homens como um cemitério de sapatos que poderiam estar naquela vitrine.
Os homens são apenas um cemitério de sapatos que ficam embaixo das camas enquanto nos comem ou nem isso.
Sapatos de bicos finos.
Sapatos bem engraxados.
Sapatos sujos na poeira do trabalho e dos dias.
Sapatos cujos bicos já pedem água.
Sapatos de todos os números.
Quantas vezes, como num mergulho, numa vertigem, avistara aquele cemitério de homens mortos de véspera na sua memória.
“Os homens já sobem mortos para as nossas camas”, pensava ela.
Ela sempre gostou de dormir bem na beirada da cama, quase como se imaginasse que cairia dali em sonhos e seria levada por mares artificiais de filmes de Fellini.



por Xico Sá, sempre do caralho!