sábado, julho 21, 2007

certas vidas não saem do rascunho....


"Eu só enjôo quando olho o mar, me disse a comissária do sea-jet.Estou partindo com suspiro de alivio. A paixão, Reinaldo, é uma fera que hiberna precariamente.Esquece a paixão, meu bem; nesses campos ingleses, nesse lago com patos, atrás das altas vidraças de onde leio os metafísicos, meu bem.Não queira nada que perturbe este lago agora, bem.Não pega mais o meu corpo; não pega mais o seu Corpo.Não pega.Domingo à beira-mar com Mick. O desejo é uma pontada de tarde. Brincar cinco minutos a mãe que cuida para não acordar meu filho adormecido. And then it was over. Viajo num minibus pelo campo inglês. Muitas horas viajando, olhando, quieta.
Fico quieta.Não escrevo mais. Estou desenhando numa vila que não me pertence.Nao penso na partida. Meus garranchos são hoje e se acabaram."Como todo mundo, comecei a fotografar as pessoas à minha volta, nas cadeiras de varanda."Perdi um trem. Não consigo contar a história completa. Você mandou perguntar detalhes (eu ainda acho que a pergunta era daquelas cansadas de fim de noite, era eu que estava longe) mas não falo, não porque a minha boca esteja dura. Nem a ironia nem o fogo cruzado.
Tenho medo de perder este silêncio.Vamos sair? Vamos andar no jardim? Por que você me trouxe aqui para dentro deste quarto?Quando você morrer os caderninhos vão todos para a vitrine da exposição póstuma. Relíquias.Ele me diz com o ar um pouco mimado que a arte é aquilo que ajuda a escapar da inércia.Outra vez os olhos.Os dele produzem uma indiferença quando ele me conta o que é a arte.Estou te dizendo isso há oito dias. Aprendo a focar em pleno parque. Imagino a onipotência dos fotógrafos escrutinando por trás do visor, invisíveis como Deus. Eu não sei focar ali no jardim, sobre a linha do seu rosto, mesmo que seja por displicência estudada, a mulher difícil que não se abandona para trás, para trás, palavras escapando, sem nada que volte e retoque e complete.Explico mais ainda: falar não me tira da pauta; vou passar a desenhar; para sair da pauta."

(Ana Cristina Cruz César)

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